Do avesso: organização interna dos estados e a noção de civilização nos textos dos juristas internacionalistas brasileiros entre 1889 e 1930

Fabia Fernandes Carvalho, Lucas Chaves de Freitas

Resumo


O presente artigo analisa como juristas internacionalistas brasileiros da Primeira República abordaram a relação entre personalidade internacional, civilização e organização interna da entidade política estatal. O objetivo é compreender como a relação entre o Direito Internacional e a ideia de Estado foi utilizada para impor responsabilidades aos entes políticos estatais que não estavam incluídos entre os estados europeus e estadounidense à época, isto é, o que viria a ser visto como o Terceiro Mundo posteriormente. Seguindo literatura crítica e mais recente em história do direito internacional, argumenta-se que a aptidão para integrar o Direito Internacional como sujeito de direitos e obrigações é central para a compreensão dos propósitos da disciplina. Por meio da análise de obras originais publicadas no período, verificou-se o standard civilizatório como um padrão argumentativo recorrente nas obras de juristas internacionalistas da Primeira República, os quais vincularam personalidade jurídica aos princípios básicos da modernidade capitalista. O Direito Internacional, portanto, também opera ao contrário, redesenhando o resto do mundo nos moldes europeus. Revisitar esses autores brasileiros nos permite refletir sobre construções interpretativas em direito internacional desde uma posição periférica, em um contexto marcado pelo contínuo civilizatório da disciplina. Ademais, abre-se espaço para refletir sobre como essa relação entre Direito Internacional e a ideia de Estado opera ainda hoje.

Palavras-chave


Standard Civilizatório; Sujeitos de direito internacional; Brasil; Juristas internacionalistas; Primeira República.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rdi.v20i1.9069

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