Ciência do direito tributário, economia comportamental e extrafiscalidade

Hugo de Brito Machado Segundo

Resumo


Desde meados do Século XX, o estudo do Direito Tributário no Brasil desenvolveu-se a partir da premissa segundo a qual, para ser científico, seria necessário limitar-se à descrição de seu objeto, as normas vigentes sobre tributação. Essa visão, que subsiste em parcela dos que se ocupam desse ramo do conhecimento jurídico, é equivocada do ponto de vista epistemológico, pois a mera descrição de uma segmentação da realidade não é o que caracteriza conhecimento como científico, tornando, pelo contrário, o estudo incapaz de compreender o seu objeto. No campo da tributação extrafiscal, essa deficiência se mostra clara na incapacidade de os juristas lidarem com seus aspectos substanciais. Neste artigo se demonstra que, quanto ao uso de ônus e bônus econômicos, gênero do qual a tributação extrafiscal é espécie, constatações da neurociência e da economia comportamental revelam que, dependendo da forma como são concedidos, alguns incentivos podem conduzir a resultado contrário ao pretendido, sendo importante descobrir as razões disso, algo somente possível dada a interdisciplinariedade que caracteriza essas novas formas de conhecimento. Partindo de uma análise bibliográfica do tema, que veicula o resultado de pesquisas feitas nessas áreas, demonstra-se que a compreensão de tais fenômenos é inafastável ao jurista, pois não se pode estudar a correção no uso de um remédio sem se conhecerem os seus efeitos. A compreensão dos efeitos dos incentivos sobre o comportamento humano pode alterar significativamente a forma como se utiliza o tributo com função extrafiscal, tornando-a mais eficiente e isonômica.

Palavras-chave


Epistemologia do Direito Tributário; Neurociência; Economia Comportamental; Extrafiscalidade.

Texto completo:

PDF

Referências


ALTMAN, Morris. The nobel prize in behavioral and experimental economics: a contextual and critical appraisal of the contributions of Daniel Kahneman and Vernon Smith. Review of Political Economy, v. 16, n. 1, p. 3–41, jan. 2004.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

AVI-YONAH, Reuven S. Os três objetivos da tributação, em direito tributário atual. Revista do IBDT/Dialética, São Paulo, n. 22, p. 7-29, 2008.

ÁVILA, Humberto Bergmann. Função da ciência do direito tributário: do formalismo epistemológico ao estruturalismo argumentativo. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 29, 2013.

AXELROD, Robert. A evolução da cooperação. Tradução de Jusella Santos. São Paulo: Leopardo, 2010.

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

BECK, Hanno. Behavioral economics: eine einführung. Heidelberg: Springer, 2014.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963.

BERGEN, Benjamin K. Louder than words: the new science of how the mind makes meaning. New York: Basic Books, 2012.

BOWLES, Samuel. The moral economy: why good incentives are no substitute for good citizens. New Haven: Yale University Press, 2016.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

CHAGEUX, J. P.; DAMASIO, Antonio R.; SINGER, W.; CHRISTEN, Y. (Ed.). Neurobiology of human values. Heidelberg: Springer, 2005. Cherukupalli, Rajeev. A behavioral economics perspective on tobacco taxation. American Journal of Public Health, v. 100, n. 4, p. 609-615, 2015.

CHRISTIAN, Brian. O humano mais humano: o que a inteligência artificial nos ensina sobre a vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

COOPER, James C.; KOVACIC, William E. Behavioral economics: implications for regulatory behavior. J Regul Econ, v. 41, p. 41–58, 2012.

COSTA, Alcides Jorge. História do direito tributário: I e II. In: FERRAZ, Roberto (Coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005. DEEMTER, Kees Van. Not exactly. In: Praise of vagueness. Oxford: Oxford University Press, 2010.

FOLLONI, André. Ciência do direito tributário no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.

GAZZANIGA, Michael S. Who’s in charge?: free will and the science of the brain. New York: Harper Collins, 2011.

GNEEZY, Uri; LIST, John A. Putting behavioral economics to work: testing for gift exchange in labor markets using field experiments. Econometrica, v. 74, n. 5, p. 1365–1384, set. 2006.

GODOI, Marciano Seabra de. Extrafiscalidad y sus límites constitucionales. Revista Internacional de Direito Tributário da Associação Brasileira de Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 1, p. 219-262, 2004.

GODOI, Marciano Seabra de. O quê e o porquê da tipicidade tributária. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; ROCHA, Sérgio André (Coord.). Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

GRECO, Marco Aurélio. Dinâmica da tributação: uma visão funcional. São Paulo: RT, 1979.

GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: uma figura “sui generis”. São Paulo: Dialética, 2000.

GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004.

GREENE, Joshua. Moral tribes. New York: Penguin Press, 2013. HAUSER, Marc. Moral minds. New York: Harper Collins, 2006.

HOFFMAN, Elizabeth; MCCABE, Kevin A.; SMITH, Venon L. Behavioral foundations of reciprocity: experimental economics and evolutionary psychology. Economic inquiry, v. 36, p. 335-352, jul. 1998.

JOYCE, Richard. The evolution of morality. Cambridge: MIT Press, 2006.

KAHNEMAN, Daniel. Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.

KAMENICA, Emir. Behavioral economics and psychology of incentives. Annual Review of Economics, v. 4, n. 1, 2012.

KANDEL, Eric. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. Tradução de Rejane Rubino. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

KAPP, K. William. Economics and the behavioral sciences: economics and the interdisciplinary Problem. Kyklos, v. 7, n. 3, 1954.

KOOREMAN, Peter; PRAST, Henri ette. What does behavioral economics mean for policy?: challenges to savings and health policies in the netherlands. De Economist, v. 158, p. 101–122, 2010.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Science, complexity, and the study of tax law. In: FABÓ, Edit; FERONE, Emilia; CHEN, James Ming. (Org.). Systemic Actions in Complex Scenarios. Cambrigde: Cambridge Scholars Publishing, 2017. v. 1, p. 170-190.

MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos Machado. Competência tributária: entre a rigidez do sistema e a atualização interpretativa. São Paulo: Malheiros, 2014.

MACHIAVELLI, Niccolò. Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio. Firenze: Ami books, Associazione Mazziniana Italiana, 2003.

MALHERBE, Jacques. Ascensão e queda dos incentivos fiscais no cenário internacional. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 23, 2009.

MARINS, James. Defesa e vulnerabilidade do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009.

MARINS, James. A teoria do campo científico de Pierre Bourdieu e a ciência do direito tributário brasileiro. Direito Tributário Atual, n. 34, p. 120-156, 2015.

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Livraria Almedina, 2009.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito financeiro: curso de direito tributário. São Paulo: José Bushatsky, 1964.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito tributário comparado. São Paulo: Saraiva, 1971.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Túllio Ascarelli e o direito tributário do Brasil. São Paulo: IBDT, 1979.

PEDRAJAS. La transformación ética de la racionalidad económica en Amartya Sen: una recuperación de Adam Smith. Quaderns de filosofia y ciència, v. 36, p. 105-117, 2006.

PIMENTA, Daniel de Magalhães. Limitações à extrafiscalidade aplicáveis ao fator acidentário de prevenção: FAP. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 6, n. 1., jan./jul. 2016.

POPPER, Karl. O mito do contexto: em defesa da ciência e da racionalidade. Tradução de Paula Taipas. Lisboa: Edições 70, 2009.

RESCHER, Nicholas. Epistemology: an introduction to the theory of knowledge. Albany: State University of New York Press, 2003.

ROCHA, Armando Freitas da; ROCHA, Fábio Theoto. Neuroeconomia e processo decisório. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

ROCHA, Valdir de Oliveira. Tratados internacionais e vigência das isenções por eles concedidas, em face da constituição de 1988. Repertório IOB de Jurisprudência, n. 5, 1991.

RUSE, M. Evolutionary ethics: a phoenix arisen. Zygon, v. 21, n. 1, p. 95-112, 1986.

SATZ, Debra. Why some things should not be for sale: the moral limits of markets. New York: Oxford University Press, 2010.

SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2012.

SEARLE, John R. Libertad y neurobiologia. Tradução de Miguel Candel. Barcelona: Paidós, 2005.

SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Tradução de Laura Teixeira Mota. São Paulo: Cia das Letras, 1999. SHEN, Francis X. Law and neuroscience 2.0. Arizona State Law Journal, v. 48, n. 1043, 2016.

SHOGREN, Jason F.; PARKUST, Gregory M.; BANERJEE, Prasenjit. Two cheers and a qualm for behavioral environmental economics. Environ Resource Econ, v. 46, p. 235–247, 2010.

SINGER, Peter. The most good you can do: how effective altruism is changing ideas about living ethically. London: Yale University Press. 2015.

SMITH, Adam. An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. Chicago: University of Chicago Press, 1977.

SMITH, Adam. The theory of moral sentiments. London: A Millar, 1790.

SUNSTEIN, Cass. Why nugde?: the politics of libertarian paternalism. New Haven: Yale University Press, 2014.

TORRES, Ricardo Lobo. Liberdade, consentimento e princípios de legitimação do direito tributário. Revista Internacional de Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 5, p. 223-244, jan./jun. 2006.

VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria pura do direto: repasse crítico de seus principais fundamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

WAAL, Frans de et al. (Ed.). Evolved morality: the biology and philosophy of human conscience. Boston: Brill, 2014.

WAAL, Frans de. Good natured: the origins of right and wrong in humans and other animals. Cambridge: Harvard University Press, 1996.

VENKATACHALAM, L. Ecological economics, v. 67, p. 640-64, 2008.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v8i2.5252

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia